quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Cruzamento

O costume de andar de cabeça baixa nos adestra a viver sem surpresas. É por estarmos com os olhos fitos na calçada que não nos damos o trabalho nem de olhar nos olhos de quem trombamos ao viramos distraídos à esquina. E lá se foi mais uma das vírgulas que talvez fossem interromper o apressado e desatento parágrafo de nossa existência. Foi-se!

Árvores, crianças, um belo cachorro recebendo o carinho do dono, um carro que desde criança apreciamos,  o susto de um descuidado senhor ao ouvir o som de freio de uma carro que quase o atropela, tudo, o mundo passando logo ali, logo aqui. E tendemos a nos transformarmos em mero observadores, deixando o protagonismo de viver, para as pessoas “menos ocupadas” consigo mesmas.

O mais curioso é que apenas substituímos os mundos. Deixamos o mundo real e vivemos o nosso. Dúvidas, riscos, possibilidades, vontades, são vividas sim, mas ali enquanto caminhamos cabisbaixos e concentrado na tela do celular, que nos alerta do mais novo papo interessantíssimo em um dos milhares de grupos virtuais que participamos. Sim, quem disse que a solidão não pode ser compensada? Mero devaneio!

Os passos vão nos alimentando,  enquanto a falta de percepção nos engole a cada movimento que fazemos em direção e esse mundo solitário que decidimos viver. Apenas nós  e nossos sonhos, amassados num papel dobrado num fundo de uma calça jeans que usamos aos fim de semana. Sonhos frágeis!

Mas assim como o semáforo no próximo cruzamento tem o poder de mudar o fluxo dos carros que forma quase que mágica, a vida também tem suas metamorfoses reservadas até para os distraídos como nós. E quando o vermelho do sinal de trânsito permite a passagem das pessoas de uma rua a outra, ele também força-nos a olha para frente e usar do cuidado uma forma de  evitar possíveis acidentes. E ao elevar os olhos, pela primeira vez no dia, vemos um olhar em nossa direção, tão outrora distraída quanto nós, mas que também aproveita para ajudar o destino, fixando por alguns segundos seus  olhos em nós. São segundos rápidos mais decisivos. Olhar que penetrar na alma, e nos faz olhar não só para frente mais para trás e acompanha-lo por toda faixa de pedestre. Primeiro de muitos milagres.

Mas passou, o Sinal abriu, o tumulto vota a reinar nas calçadas. Os andantes, apressados e distraídos pedestres, assim como nós, logo povoam os passeios da rua. E mesmo assustados com tal aparição, voltamos a olhar para baixo, agora não mais com distração, mais como forma de tentar tatuar aqueles segundo mágicos na mente. Tarefa fácil!

Nos apressemos então, pois o próximo semáforo está a três quadras daqui, não podemos perder mais essa nova oportunidade. Nova esperança!

O mundo não é o bastante



Força Sempre